top of page

Igreja de São Victor

 

18 de setembro • Igreja de São Victor, Braga

21h30 • Concerto Polifonia PortuguesaPrograma l

 

 

A igreja paroquial de S. Victor em Braga é um projecto do francês Miguel de l’École (1686-1698) engenheiro militar com grande actividade no Norte de Portugal durante as guerras da Restauração e no período que imediatamente se lhes seguiu. Foi uma encomenda do arcebispo D. Luís de Sousa e a actividade construtiva do francês, que incluiu obras como as fortificações de Valença do Minho e Monção, o forte de S. Francisco Xavier, popularmente conhecido como Castelo do Queijo, no Porto e a capela-mor da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães deve ter pesado na escolha do prelado. Pelo que podemos apreciar na igreja bracarense, l’École dominava muito bem a arquitectura tradicional minhota, não só em termos de plano mas igualmente na escolha dos materiais e do lugar que cada um deles deveria ocupar numa síntese cenográfica geral, em articulação com o azulejo e a talha. Para além disso, o facto de um mestre local, Pascoal Fernandes, ter dirigido a construção da igreja, poderá ter tido grande influência no resultado final.

A igreja sucedeu a um templo anterior e Robert Smith atribui-lhe uma posição de vanguarda na aplicação do conceito que apelida de “arte total” do Barroco português, em que se conjugam a talha e o azulejo com a arquitectura num programa pré-concebido. Com efeito, as paredes laterais da nave única não mostram os tradicionais sistemas de articulação da arquitectura clássica, sobretudo pilastras e capitéis. Assim, o azulejo historiado azul e branco é rei absoluto, submergindo as capelas colaterais e as aberturas de iluminação, outro dispositivo importante da visualidade barroca. Trata-se, portanto, indubitavelmente de um projecto que, desde o início, teve em conta esse tipo de revestimento, que se alarga ainda à capela-mor e à face interna do frontispício, desde o pavimento até à abóbada sobre o coro alto.

A arquitectura da igreja é maneirista, com o desenho do frontispício rigidamente controlado por uma abstracta rede geométrica, onde encaixam o portal, os nichos, o ático com as armas do arcebispo encomendador e as duas grandes cartelas flamengas em rollwerk, gosto introduzido na arquitectura bracarense por Manuel Luís durante o arcebispado de Frei Agostinho de Jesus. A mesma ascendência nota-se na colocação da torre em posição posterior, libertando por completo o desenho da fachada e deixando intocadas e perfeitamente legíveis as suas proporções alongadas. Com efeito, a primeira igreja de Braga em que se utilizou esse modelo foi a de Nossa Senhora do Pópulo, construída pelo mesmo Manuel Luís para o mesmo D. Frei Agostinho de Jesus.

No interior, as definições estilísticas tradicionais perdem completamente o seu significado. O conjunto azulejar é atribuído ao mais importante mestre pintor lisboeta do tempo, o espanhol Gabriel del Barco, sendo considerado pioneiro em Portugal pelas suas dimensões. As pinturas representam, na nave, cenas da via de santos e santas bracarenses e, na capela-mor, episódios da vida do orago, S. Victor. Sobre essa movediça massa líquida azul e branca, semelhante a um mar, assenta, num desrespeito completo pela tectónica clássica, o peso da terra materializada no granito escuro da abóbada de caixotões. Por sua vez, ao fundo, o dourado do retábulo mor de estilo nacional do portuense Domingos Lopes é um céu, ou uma porta do céu, à maneira dos portais do românico tardio do Minho, que se alcança apenas após ter percorrido o túnel visual da nave. Precedendo-o, numa reafirmação retórica, deparamos com o gigantesco sanefão do arco cruzeiro. Mais do que no pormenor da arquitectura, é na noção apurada de conjunto que o Barroco minhoto sabe, como poucos, materializar e sintetizar epifanias do sagrado. Mesmo que, para operar essa síntese, se recorra a um corpus teórico decididamente maneirista… (JFA).

 

 

bottom of page